sábado, 7 de novembro de 2009

DAS CHUVAS QUE NÃO CHOVEM MAIS

Na minha infância chovia periodicamente. Regularmente. Suficientemente. Consequentemente, todos tínhamos capa-de-chuva, sombrinha e galocha. Galocha???... Sim, galocha: usávamos galocha e era um comércio próspero, o comércio de galochas. Depois da chuva, caminhávamos nas poças de água, os pés descalços, a alma lavada. E nos deslumbrava o arco-íris, em cujo final acreditávamos que havia um pote de ouro. As crianças de hoje não conhecem o arco-íris! E para elas não compramos nem capas e nem os demais acessórios, posto que não chove mais. Não chove mais???... Os eventuais leitores talvez se perguntem, aflitos, se não vejo a tragédias das enchentes na televisão. Vejo, sim! Claro que vejo! Mas não estou me referindo às tragédias: estou afirmando que não chove mais. O que a televisão mostra são "estados de calamidade pública", muito diferentes das chuvas de antigamene. Das minhas chuvas, que eram chuvas periódicas, regulares, sem consequências dramáticas ("apesar de que os espelhos das casas eram cobertos com lençóis para que não "atraíssem os raios). Tudo bem: havia uma série de crendices e medos e segredos. Mas as chuvas realimentavam a terra e garantiam colheitas fartas. Nas tarde chuvosas, longas tardes chuvosas, as mães faziam bolinho frito e os filhos ficavam nutridos de trigo e sonhos porque era possível sonhar. (...) E o tempo passou (...) As mães e os bolinhos ficaram no passado. Os sonhos, da mesma forma, ficaram lá (pois que não há lugar para eles, aqui). As crianças não caminham mais com os pés descalços, nas poças de água. E não usam galochas. Não conhecem galochas. Na verdade, as crianças perderam a inocência da galocha, a partir do momento em que perderam os pais. Ou, por outra: perderam o direito aos pais, àqueles pais que foram os senhores de um castelo (belo, belo) que nos preservava de "todos os males, amém". Pois bem: se perderam esse suporte, os "novos órfãos do novo tempo" tiveram que inventar "bengalas" e aí vieram as "grifes", os tênis importados, os corpos tatuados, os bonés virados. Aliás, somente adolescentes extremamente amados (e por essa razão seguros) seriam capazes de usar galochas!!!

Nenhum comentário:

Postar um comentário