domingo, 1 de novembro de 2009

FINADOS, 2009

Carlos Drummond de Andrade dizia (e disse em poesia) que morremos duas vezes:primeiro, no dia do fato. Depois, no nome. O que vale dizer: num segundo momento, morremos na lembrança. Na memória daqueles com os quais convivemos e pelos quais (tantas vezes!) sofremos. E aqui não se trata (e não se trata mesmo) de uma "cobrança antecipada de dívidas inexistentes". Aliás, ninguém nos deve a contrapartida do que demos. Demos, do verbo dar. Simplesmente, demos. Todavia, considero importante que tenhamos tal consciência: a de que, cada vez mais, mais rapidamente morremos. A expectativa de vida aumentou. A qualidade da vida, em muitos aspectos, também melhorou. Mas a morte (da qual, há muito, já eliminamos o luto) a morte (hoje) é "um fato consumado", literalmente. Não temos mais tempo para ela. Por outro lado, igualmente não temos tempo para a vida. E então sobra a impressão de que estamos (todos) vivendo "situações transitórias".Sendo transitórias, obviamente não são profundas. Consequentemente, não nos envolvemos. E sempre acabo culpando a família. Depois que a família deixou de ser "o porto seguro" para se transformar no "encontro casual de duas pessoas que eventualmente geram uma terceira", morte e vida conquistaram status acidental: estamos acidentalmente vivos e acidentalmente morreremos. E não há nenhum exagero: se não existe um comprometimento familiar, os nascimentos (resultantes desses encontros quase fortuitos) são meros "acidentes de percurso". A partir dessa ótica, vale pressupor que ninguém se apaixona. Ora: sem paixão, nem celebramos a vida, nem choramos a morte. Resta, efetivamente, o sentimento de transitoriedade: tudo passa, passarei, passaremos. No entanto, o fato de chegar a tais conclusões não significa que estou conformada. Ou de acordo. Pelo contrário: acho que precisamos de afeto. Acho que precisamos do toque essencial. Acho que precisamos nos envolver, profundamente. Acho que precisamos ficar atentos ao outro. E ouvi-lo. E percebê-lo. E aceitá-lo como Dom Helder Câmara aceitava as criaturas: com o corpo, com a alma e com todas as consequências. Enfim: "acho" uma porção de coisas que "acho" que não vou achar, nunca mais.

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